Prazos apertados, vozes dissonantes: o debate acirrado dos direitos reprodutivos em Portugal

Em Portugal, a lei de interrupção voluntária da gravidez enfrenta crescente pressão para se adaptar a uma realidade que muitos consideram descompassada. Os dez semanas permitidas atualmente para a realização da IVG (Interrupção Voluntária da Gravidez) por vontade da mulher estão no centro de um debate político, jurídico e social que reaparece com urgência. Médicos, organizações de direitos humanos, partidos políticos e mulheres que passaram pelo processo clamam por revisões na legislação, apontando os obstáculos reais que transformam um direito em algo nem sempre acessível.

O primeiro ponto de tensão é justamente o prazo gestacional. Dez semanas é considerado por críticos um limite excessivamente curto diante das demoras que ocorrem no sistema de saúde. O tempo para reconhecimento da gravidez, o acesso a médicos que possam realizar o procedimento, a exigência de dois profissionais distintos para confirmar os trâmites — tudo isso consome prazos preciosos. Em muitos casos, o atraso no atendimento compromete o direito legal à IVG, levando mulheres a recorrerem a clínicas em países vizinhos ou a interromper a gravidez fora dos prazos permitidos, com custos humanos e emocionais elevados.

Outro elemento frequentemente citado é o “período de reflexão” obrigatório, que por lei deve ser cumprido entre a avaliação médica inicial e o ato da IVG. Para muitas, esse intervalo de três dias não representa apenas uma formalidade: pode transformar-se em mais uma barreira burocrática, sobretudo em casos em que os serviços públicos de saúde apresentam sobrecarga ou falhas de gestão de agendamento. Soma-se a isso a objeção de consciência de profissionais de saúde, que dizem respeitar o direito, mas cuja aplicação em muitos casos reduz a disponibilidade de quem realmente oferece o serviço, especialmente em regiões menos urbanas ou com menor infraestrutura médica.

Do lado do ativismo e das organizações de apoio à saúde reprodutiva, argumenta-se que a lei constitucional e os compromissos internacionais assumidos pelo país apontam para garantias de acesso que hoje não se concretizam plenamente. Eles propõem, entre outras mudanças, o alargamento do prazo legal para 12 ou até 14 semanas, a eliminação ou flexibilização do período obrigatório de reflexão, e maior clareza e regulação sobre a objeção de consciência, para que não se torne desculpa para negar o serviço.

Partidos políticos de diferentes espectros têm mobilizado iniciativas legislativas nesse sentido. A proposta de alguns é que o Estado assuma responsabilidades mais claras, assegurando que todas as unidades hospitalares sedes do SUS ou serviços públicos que deveriam prestar IVG efetivamente o façam. Justificativas envolvem igualdade territorial no acesso, celeridade nos processos, transparência e respeito pela autonomia da mulher.

Os opositores — entre eles médicos católicos e setores que defendem restrições por convicções éticas — alertam para possíveis abusos ou consequências de aumentar o prazo, afirmando que as mudanças devem respeitar limites morais e médicos. Criticam a ideia de que prazos mais longos resolverão necessariamente os problemas do acesso, apontando que muitas das dificuldades residem mais na gestão hospitalar, no financiamento, na formação de profissionais do que nos limites legais por si só.

Para além do debate legislativo, há relatos concretos de mulheres que, em hospitais públicos, enfrentaram esperas superiores ao período legal entre o pedido e a consulta, ou tiveram de buscar atendimento fora de sua região, o que implica deslocamentos, custos e desgaste pessoal. Essas experiências reforçam a percepção de que o papel da lei, embora essencial, não basta: é indispensável sua efetiva implementação.

O dilema central permanece: assegurar direitos sem tornar esses direitos letra morta. Alargar prazos, revisar protocolos, regulamentar objeções, garantir oferta e acesso homogêneo pelo país inteiro — são desafios que exigem vontade política, compromisso institucional e sensibilidade social. Em meio ao barulho das discussões partidárias, das comissões parlamentares e dos manifestos, permanece viva a urgência de que a legislação da IVG em Portugal seja revisitada com os pés no chão: os pés das mulheres que dela dependem.