Quando o silêncio fere: o Portugal que discrimina seus cidadãos ciganos

Portugal ostenta um título pesado: é o país da Europa onde os cidadãos ciganos relatam, com maior frequência, sentir discriminação em sua vida diária. Um estudo recente revela que quase dois terços destes cidadãos afirmam ter sido alvo de tratamento desigual ou hostil nos últimos doze meses, colocando o país no topo dessa dolorosa classificação.
Os dados apontam uma realidade perturbadora: 63% dos ciganos ouvidos relataram ter sofrido discriminação nos últimos doze meses. Isso representa o maior índice entre uma dezena de países da União Europeia avaliados, superando inclusive nações como Itália e Irlanda, que também revelam elevados níveis de queixas dentro da comunidade cigana.
Áreas onde a discriminação é mais sentida
O emprego surge como um dos campos mais críticos: aproximadamente sete em cada dez ciganos afirmam que, ao procurar trabalho, enfrentam obstáculos atribuídos ao preconceito étnico. O dado é alarmante, porque sugere que a desigualdade não reside apenas no sentimento pessoal, mas em barreiras concretas de acesso.
Outra dimensão reveladora é o assédio motivado por ódio étnico: quase metade daqueles que responderam ao inquérito afirmam ter sido alvo de comportamentos ofensivos ou hostis simplesmente por serem ciganos. Comentários, expressões de desprezo, ameaças veladas ou explícitas integram esse tipo de assédio, que corrói a dignidade e a esperança.
Também nos bairros com forte concentração de população cigana se observa um impacto intensificado: quem vive em locais onde a maioria dos habitantes partilham essa identidade etno-cultural tende a reportar mais episódios discriminatórios do que aqueles inseridos em comunidades mais diversas.
Evolução e persistência do problema
Comparando com inquéritos anteriores, percebe-se que Portugal regista um aumento gradual nesse tipo de queixas. Em comparação com medições realizadas há alguns anos, a diferença é significativa, tanto em termos de sensações pessoais de discriminação quanto de relatos concretos de assédio.
Apesar dessa evolução, permanece uma lacuna séria entre o que existe em lei e o que se sente de facto na pele. Leis de proteção contra discriminação existem, protocolos para igualdade também, mas muitos ciganos afirmam que a aplicação ou implementação dessas normas não alcança todos com eficácia. Procedimentos legais são vistos como custosos, lentos ou mesmo inacessíveis em determinados contextos.
Consequências sociais e éticas
O impacto desse nível de discriminação vai muito além do sofrimento individual. Ele significa exclusão social: da impossibilidade de conseguir emprego com dignidade, ao acesso desigual a serviços de saúde, habitação ou educação. Significa barreiras que se perpetuam, geração após geração.
A educação, por exemplo, embora com progressos, ainda reflete segregações invisíveis: turmas ou escolas geograficamente ou socialmente isoladas, com menos recursos, menos oportunidades de desenvolvimento e menos reconhecimento.
No fundo, essa realidade traça um espelho: um país que se orgulha de valores democráticos e de inclusão, mas que convive com condutas discriminatórias que não são exceção, porém regra para muitos ciganos.
O caminho possível
A urgência de políticas públicas eficazes é incontornável. Além disso da legislação, é essencial reforçar mecanismos de denúncia acessíveis, acompanhamento institucional, sensibilização nas escolas, formação de profissionais de saúde, de segurança, do setor privado para enfrentar vieses inconscientes.
Também importa investir na visibilidade positiva da cultura cigana, no reconhecimento de suas contribuições e na promoção de espaços de diálogo autêntico. Só assim se poderá mover de um silêncio impensado para uma presença de pleno direito.
Portugal enfrenta hoje um desafio moral e cívico: não basta declarar que a discriminação é ilegal e imoral — é necessário demarcar na prática que ela não será tolerada. Cada cidadão, cada instituição, cada setor da sociedade tem parte nessa viragem. Afinal, reverter discriminações históricas é construir uma nação mais justa para todos.