Jovens Médicos e a Revolução na Saúde em Portugal: 50 Anos de Transformação

Há 50 anos, Portugal vivia tempos difíceis para a saúde pública. Com uma taxa de mortalidade infantil de 45 bebês por cada 1.000 recém-nascidos e 59 mães morrendo por cada 100 mil partos, o país enfrentava desafios imensos. Em um contexto onde a contracepção era discutida na clandestinidade e o analfabetismo impedia até a correta utilização de medicamentos básicos, um grupo de jovens médicos de Lisboa, Porto e Coimbra plantou a semente que daria origem ao Serviço Nacional de Saúde (SNS).

A Revolução dos Cravos e a Saúde

Na manhã do 25 de Abril de 1974, Vasco Trancoso, um jovem médico escalado para trabalhar nas urgências do Hospital de São José, em Lisboa, foi escoltado por um jipe do Movimento das Forças Armadas (MFA) até o hospital. Ele e seus colegas perceberam rapidamente a injustiça que permeava o sistema de saúde português.

Trancoso e outros jovens médicos, como José Gameiro e Eduardo Barroso, foram convocados para o serviço militar obrigatório e participaram das campanhas de dinamização cultural do MFA. Estas campanhas levaram os médicos a aldeias e periferias, onde realizaram inspeções sanitárias e educaram a população sobre cuidados básicos de saúde. Foi durante essas campanhas que esses médicos se conscientizaram das profundas desigualdades nos cuidados de saúde em Portugal.

O Surgimento do Serviço Médico à Periferia (SMP)

A realidade que esses médicos encontraram nas aldeias impulsionou a criação do Serviço Médico à Periferia (SMP), uma iniciativa que visava levar cuidados de saúde a todas as regiões do país. Trancoso, em particular, destaca a importância desse movimento: “Tínhamos 75% da população que pertencia aos hospitais ditos distritais com apenas um quarto dos recursos de saúde”.

Ana Jorge, que viria a ser ministra da Saúde, participou nas primeiras reuniões que delinearam as bases do SMP. Embora não tenha integrado a primeira leva de médicos, ela se juntou ao segundo grupo e foi para Alcácer do Sal, levando seu filho de três meses. Ela lembra das dificuldades e da falta de recursos, mas também das vitórias, como a reanimação bem-sucedida de um bebê que nasceu sem respirar.

Desafios e Conquistas

Os jovens médicos que participaram do SMP enfrentaram muitos desafios, incluindo a resistência inicial do governo provisório. Trancoso e seus colegas tiveram que negociar com o Ministério da Saúde para garantir a continuidade do programa. Essas negociações foram lideradas por Constantino Sakellarides, e o SMP tornou-se um requisito para o acesso à especialidade médica.

Leonor Duarte de Almeida, outra médica que cumpriu o SMP no final da década de 1970, também recorda as dificuldades, como um parto que a deixou em desespero. No entanto, esses médicos perseveraram, movidos pela convicção de que estavam contribuindo para uma causa maior.

Legado e Impacto

O SMP foi o embrião do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que hoje é uma das instituições mais importantes de Portugal. A determinação e o espírito de generosidade desses jovens médicos ajudaram a transformar radicalmente o sistema de saúde português, garantindo que cuidados médicos de qualidade chegassem a todos os cantos do país.

O impacto dessas iniciativas é visível até hoje. A mortalidade infantil e materna caiu drasticamente, e o acesso à saúde melhorou significativamente. A história desses médicos é um testemunho de como a dedicação e a coragem podem mudar o curso de uma nação.

Reflexões Finais

À medida que celebramos o 50º aniversário da Revolução dos Cravos, é crucial lembrar e homenagear esses pioneiros que, com poucos recursos mas muita determinação, ajudaram a construir um sistema de saúde mais justo e acessível em Portugal. Suas histórias de resiliência e inovação continuam a inspirar novas gerações de profissionais de saúde.


Essa matéria reflete a trajetória de um grupo de jovens médicos que, impulsionados pela Revolução dos Cravos, revolucionaram a saúde em Portugal, criando um legado duradouro que continua a beneficiar milhões de portugueses.