Na reta final para as eleições em Portugal, um embate silencioso e estratégico toma corpo nos bastidores da esquerda: o apelo ao voto útil feito por Pedro Nuno Santos, líder do Partido Socialista (PS), tem gerado desconforto entre partidos menores, em especial o Livre, que vê na narrativa uma tentativa de sufocar a diversidade política e concentrar poder sob a bandeira do pragmatismo eleitoral.
Durante um comício em Lisboa, Pedro Nuno reforçou a importância de evitar a ascensão da extrema-direita e indicou que os eleitores progressistas deveriam unir forças em torno do PS para garantir uma maioria parlamentar que bloqueie avanços conservadores. O discurso, embora comedido em palavras, carrega um peso simbólico: é um chamado ao eleitorado para que abandone os pequenos partidos em nome da “governabilidade”.
A resposta não tardou. O Livre, partido fundado com raízes no ecossocialismo e nos movimentos progressistas europeus, reagiu com veemência. Em ato na capital portuguesa, seus dirigentes criticaram o que chamaram de “chantagem emocional democrática”, defendendo que o voto não deve ser uma ferramenta de medo, mas sim de convicção. Para o Livre, a construção de uma alternativa plural e sustentável para o país passa justamente pela representação de novas vozes no Parlamento — e não pela concentração hegemônica de poder.
Esse embate expõe um velho dilema da política contemporânea: o equilíbrio entre eficácia eleitoral e representatividade democrática. Enquanto o PS tenta garantir maioria para governar com estabilidade, partidos como o Livre, Bloco de Esquerda e até mesmo alguns setores independentes alertam para os riscos de um sistema partidário cada vez mais polarizado, onde pequenas forças são empurradas para a margem do debate público.
A tensão é particularmente acentuada entre os eleitores mais jovens e urbanos, que demonstram sensibilidade tanto às causas ambientais e sociais quanto à preservação de uma democracia pluralista. Esses eleitores, muitas vezes desencantados com partidos tradicionais, encontram nas propostas do Livre e de outras legendas alternativas um refúgio para suas expectativas políticas. O apelo ao voto útil, nesse contexto, pode ser visto como um esforço para reverter esse fluxo — ainda que às custas da diversidade política.
Além disso, a retórica do voto útil carrega um subtexto perigoso: o de que apenas partidos grandes podem proteger a democracia contra o avanço da extrema-direita. Esse argumento, embora eficaz em mobilizar parte do eleitorado, pode reforçar a ideia de que o sistema político deve ser dominado por poucos atores, minando a possibilidade de inovação política e inclusão de novas perspectivas no debate institucional.
O que está em jogo não é apenas a composição do próximo Parlamento, mas o próprio conceito de democracia representativa. A pergunta que permanece, ecoando entre praças, universidades e redes sociais, é simples e complexa ao mesmo tempo: deve-se votar com a cabeça ou com o coração? Com medo ou com esperança? Pela utilidade do agora ou pela construção do amanhã?
Em tempos de incerteza política e riscos autoritários, o eleitor português se vê diante de uma escolha que ultrapassa nomes e siglas. Trata-se de decidir não apenas quem vai governar, mas que tipo de democracia se deseja cultivar — uma em que todos tenham espaço ou apenas aqueles considerados grandes o suficiente para garantir a vitória.