Teresa Rita Lopes, a Arqueóloga das Almas Pessoanas, Deixa o Palco

Teresa Rita Lopes

Parte do mundo das letras portuguesas ficou mais pobre. Teresa Rita Lopes, a investigadora incansável que dedicou décadas a escavar, com delicadeza e rigor, os meandros mais íntimos da criação de Fernando Pessoa, faleceu. Deixa um legado monumental na compreensão do poeta, não como um monumento estático, mas como um universo em permanente ebulição.

Professora universitária, poeta e dramaturga, Teresa Rita Lopes destacou-se sobretudo como a arqueóloga privilegiada do espólio de Pessoa. Não foi uma estudiosa de gabinete distante. Mergulhou nas gavetas, nos papéis rabiscados, nas notas marginais, nas versões sucessivas que compõem o laboratório infinito do génio ortónimo. Foi ela quem, com paciência de ourives e intuição de detective literário, empreendeu a tarefa hercúlea de organizar e decifrar o caos criativo deixado pelo poeta.

A sua obra-prima nesse campo é incontornável: a catalogação e estudo da correspondência entre Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz, o grande amor (ou grande dor) da sua vida. Teresa Rita Lopes não se limitou a publicar as cartas. Fez muito mais: contextualizou-as, cruzou-as com outros textos pessoanos, iluminou os jogos psicológicos, as hesitações, os rastos de emoção genuína por entre a máscara e o intelectualismo. Esse trabalho, fundamental, deu-nos uma visão única do homem por trás dos heterónimos, vulnerável e apaixonado, numa dimensão frequentemente obscurecida pela grandiosidade da sua obra poética.

Mas o seu campo de escavação foi vasto. Estudou profundamente o Pessoa dramaturgo, um território menos explorado, trazendo à luz facetas essenciais da sua ambição totalizante. A sua investigação estendeu-se também a outros autores portugueses e brasileiros, sempre com o mesmo método: ir às fontes, aos manuscritos, ao grão da escrita primeira. A sua erudição era vasta, mas nunca pesada; a sua escrita académica, clara e acessível, recusando o hermetismo.

Para além da investigação, Teresa Rita Lopes cultivou a sua própria voz criativa. A sua poesia e o seu teatro, embora menos conhecidos do grande público do que o seu trabalho pessoano, refletiam uma sensibilidade aguda e uma preocupação com a condição humana, dialogando por vezes, sutilmente, com os fantasmas que tão bem conhecia do espólio que estudava.

A sua morte representa a perda de uma intérprete fundamental de Pessoa. Ela ajudou a transformar a figura do poeta de uma estátua de mármore num organismo vivo, complexo, contraditório, cujas entranhas criativas ela soube cartografar como poucos. Trabalhou com os materiais brutos da génese literária, mostrando como os grandes textos nascem de tentativas, rasuras, dúvidas e explosões de intuição.

Teresa Rita Lopes não se limitou a estudar Pessoa; conviveu com os seus fantasmas, ordenou o seu caos, e, ao fazê-lo, ofereceu-nos uma chave mais profunda para desvendar o labirinto infinito da sua obra. O seu silêncio deixa um vazio na paisagem literária portuguesa, mas o mapa minucioso que traçou do universo pessoano permanece, guia indispensável para as gerações futuras que continuarão a escavar o inesgotável. Parte a arqueóloga, ficam as suas descobertas essenciais.